Como funciona a Temozolamida (Temodal, Temodar)?

O padrão ouro de tratamento dos gliomas envolve cirurgia, radioterapia, Tumor-Treating Fields e quimioterapia com Temozolamida, sendo esta última um grande divisor de águas no tratamento dos Gliomas.
INTRODUÇÃO
A temozolamida (TMZ) foi descoberta nos anos 1980, quando pesquisadores britânicos buscavam novas moléculas que conseguissem atravessar a barreira hematoencefálica e tivesse atividade citotóxica contra tumores cerebrais. Inspirada em compostos alquilantes mais antigos — como a dacarbazina — a TMZ rapidamente se destacou com grande potencial, sendo então submetida a testes clínicos, que vieram a provar sua eficácia clínica contra gliomas.
O marco decisivo veio em 2005, com os resultados do estudo de Stupp et al., que demonstraram aumento significativo de sobrevida em pacientes com glioblastoma quando a TMZ foi associada à radioterapia. Nascia ali o “Padrão Stupp”, ainda hoje o protocolo padrão-ouro no tratamento inicial dos gliomas de alto grau.
O princípio exato de funcionamento da TMZ foi motivo de muitos estudos e até hoje o entendimento sobre seu mecanismo de ação e como os tumores sobrevivem ao uso dela regem o progresso dentro do campo da Neuro-oncologia.
MECANISMO DE AÇÃO
Após ser administrada na forme a de comprimido, a TMZ sofre hidrólise espontânea em pH fisiológico e se transforma em seu metabólito ativo, o MTIC (5-(3-metiltriazen-1-il) imidazol-4-carboxamida).
O MTIC gera espécies alquilantes (agentes que que atuam modificando outras moléculas, mais especificamente adicionando um grupo -CH3) em três bases nitrogenadas (partes moleculares formadoras do DNA): N7-guanina (≈70%); N3-adenina (≈10%) e O6-guanina (≈5%), mas esta é a modificação biologicamente mais importante
O ponto crítico é exatamente a O6-guanina, pois a modificação neste lugar específico tem o poder de gerar um erro na duplicação do DNA, parando o ciclo de divisão celular (mecanismo de crescimento do tumor). Esta parada é um mecanismo normal da célula, que entra em repedidos ciclos para tentar consertar esse erro. Quanto o erro não pode ser concertado a célula entra em processo de apoptose (morte programada).
O responsável por estes ciclos é o mismatch repair (MMR), pois a alquilação da O6-guanina causa emparelhamento incorreto com timina durante a replicação, levando a sequência de acúmulo de quebras de fita dupla, disfunção replicativa, indução de apoptose, senescência ou catástrofe mitótica
MECANISMOS DE RESISTÊNCIA À TEMOZOLAMIDA
Nenhum agente quimioterápico está imune à resistência tumoral, e com a TMZ não é diferente. Os principais mecanismos incluem:
• Superexpressão da enzima MGMT (O6-metilguanina-DNA metiltransferase)
É o mecanismo mais clássico. A MGMT remove o grupo metil da posição O6 da guanina, “desfazendo” exatamente a lesão crítica causada pela TMZ. Tumores com MGMT ativa apresentam piora resposta a TMZ.
• Deficiência do sistema MMR
Quando o MMR é deficiente (mutações em MSH2, MSH6, MLH1), o ciclo de correção repetitiva não ocorre — o que impede a apoptose induzida pela TMZ.
• Aumento da via de reparo por recombinação homóloga (HR)
Alguns gliomas apresentam ativação exagerada de BRCA1, RAD51 e outros mediadores da HR, lidando melhor com quebras de dupla fita.
• Plasticidade tumoral e remodelação de subclones
A heterogeneidade intratumoral permite que populações resistentes selecionadas pelo tratamento dominem após algumas semanas ou meses de TMZ contínua.
MARCADORES TUMORAIS QUE INFLUENCIAM A RESPOSTA À TEMOZOLAMIDA
A neuro-oncologia moderna é guiada por biomarcadores. Na prática clínica, três são indispensáveis:
1. MGMT metilado
Esse é atualmente o marcador mais importante da resposta a TMZ, já que esta enzima anula o mecanismo principal de dano gerado pela quimioterapia. A metilação desta enzima a torna menos ativa, de maneira que permite maior atividade citotóxica da TMZ, melhorando a resposta clínica.
2. IDH1/IDH2 mutado
O status de mutação do IDH atualmente faz da classificação dos gliomas. Quando mutado ele produz um ambiente intracelular menos favorável a agressividade tumoral. Desta maneira, tende a gerar tumores menos agressivos, e que respondem melhora a TMZ. Inclusive, este é um dos fatores que pode gerar a metilação da MGMT, conforme mencionado no item anterior.
3. MMR e estabilidade genômica
O mecanismo básico da TMZ passa pela atividade deste sistema, então mutações nas enzimas que o compõem podem gerar menor efetividade. AS mutações podem ser nativas (herdadas) ou adquiridas devido a instabilidade genética nas células tumorais.
PERSPECTIVAS FUTURAS NO USO DA TEMOZOLAMIDA
A fronteira da pesquisa avança em quatro direções principais:
Primeiro, utilizar combinações com inibidores de reparo de DNA, potencializando o efeito lesivo da TMZ. PARP inhibitors, ATR inhibitors e bloqueadores de MGMT estão sendo testados para evitar que a célula tumoral consiga reparar a alteração que gera o efeito cascata e termina na morte celular.
Segundo, conseguir uma entrega inteligente de fármaco, utilizando formulações nanoparticuladas e lipossomais, visando melhorar penetração tumoral e reduzir efeitos sistêmicos.
Terceiro, utilizar imunomodulação combinada, já que ao provocar dano no DNA, a TMZ aumenta a liberação de neoantígenos e pode potencializar imunoterapia — especialmente em tumores com deficiência de MMR.
Por último, no futuro espera-se que possamos utilizar terapias personalizadas baseadas em assinatura molecular calibrada de acordo com: metilação de MGMT, perfis epigenéticos, mutações de reparo de DNA, single-cell RNAseq
CONCLUSÃO
A TMZ consolidou-se como marco terapêutico na neuro-oncologia por sua capacidade singular de induzir dano ao DNA, explorando vulnerabilidades específicas dos gliomas. Entender seu mecanismo — a alquilação da O6-guanina, o ciclo de MMR e a apoptose subsequente — é essencial para interpretar porque alguns tumores respondem dramaticamente enquanto outros permanecem resistentes.
O futuro aponta para combinações inteligentes, terapias guiadas por biomarcadores e estratégias de intensificação baseadas em vulnerabilidades moleculares. O caminho natural é transformar a TMZ de um tratamento “amplo” para uma ferramenta de precisão, alinhada a outras terapias, especificamente prescritas de acordo com o perfil do tumor de cada paciente.
Disclaimer profissional
Este texto tem finalidade informativa e educacional. Não substitui consulta médica individualizada, diagnóstico ou plano terapêutico. Cada paciente deve ser avaliado de forma específica por um especialista em neuro-oncologia.

Dr. Matheus Bannach
Neurocirurgião especializado em neuroncologia. Dedica-se ao tratamento de tumores cerebrais e medulares, sempre buscando as técnicas mais avançadas e menos invasivas para seus pacientes.
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